sábado, 28 de março de 2009

GESTÃO DO TURISMO COM BASE LOCAL: ALTERNATIVA ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS NA REGIÃO INSULAR DE BELÉM


3 - PLANEJAMENTO TURÍSTICO E INCLUSÃO SOCIAL

Atualmente as mudanças em nível social das estruturas locais de poder, vêm sendo vivenciadas, associadas à reforma do estado, onde pouco a pouco aumentam a participação de atores sociais na construção de espaços de cidadania, através de programas de participação em governos locais e novas modalidades de intervenção de atores da sociedade civil na gestão pública.

Na maioria das vezes, o planejamento esta orientado pelo princípio da escassez proveniente da teoria econômica: trata-se de administrar e aplicar racionalmente recursos escassos sejam eles monetários, territoriais ou humanos. Estes últimos que foram escassos nos campos de batalha onde começou a idéia de planejamento, hoje se apresentam, não raro, como excedentes, e o planejamento consiste em administrar racionalmente recursos monetários (incluídas aqui despesas de todo tipo para sobrevivência) e territoriais (incluindo nessa categoria os habitacionais) para populações não escassas (BARRETTO, op cit).

A tarefa de planejamento será eficiente, na medida em que integrar na sua implementação, a soma dos setores envolvidos no processo: Estados, Municípios e Comunidade. Ao mesmo tempo, o planejamento turístico deve formar parte da estratégia global de planejamento estadual, integrando-se com outros setores que planificam o seu desenvolvimento sócio-econômico procurando aproveitar racionalmente o potencial natural e cultural, a preservação ambiental, objetivando a melhoria da qualidade de vida[1] da população e uma distribuição mais equilibrada dos benefícios. Outro aspecto a ressaltar, consiste na realização desse planejamento abrangendo as diferentes microrregiões de um Estado, razão pela qual será de grande importância a participação ativa das comunidades organizadas. Um terceiro fator de suma importância neste contexto, é que o turismo não planejado pode provocar a destruição do sistema natural e dos atributos sócio-culturais, que constituem um grande patrimônio para ele. Assim sendo, o planejamento turístico é um instrumento para conduzir o desenvolvimento deste setor, de maneira a minimizar os seus efeitos prejudiciais e maximizar os benefícios para a economia e a sociedade local (iden).

A satisfação do turista _ e, portanto a priorização de seus interesses _ também deve ser prioridade para a comunidade local assim como a sustentabilidade sócio-econômica da comunidade também interessa ao próprio turista, especialmente para que venha a ser bem atendido; mas também para garantir perenidade à atividade local ( FARIA; CARNEIRO, 2001).

Quadro 1 Impactos do Turismo

Área

Impactos potenciais positivos

Impactos potenciais negativos

Economia

Receita, empregos, nível de vida da população local, investimento

Inflação local, especulação imobiliária, concentração dos investimentos alternativos, custos em termos de infraestruturas necessárias

Turismo e Comércio

Reconhecimento da região, novas infraestruturas, acessibilidade maior

Preços mais elevados e reputação junto ao comércio, desenvolvimento descontrolado do comércio local

Sociedade e Cultura

Maior empenho dos residentes na promoção de eventos locais, reforço dos valores e tradições locais.

Comercialização sazonal de atividades privadas, alteração dos costumes em função do turismo, custos sociais (prostituição, abuso de drogas e álcool)

Psicologia

Orgulho quanto aos costumes locais, reconhecimento da riqueza da troca com o outro

Atitudes defensivas face a outras culturas, hostilidades por dificuldade de comunicação

Política e administração

Reconhecimento internacional, desenvolvimento local integrado

Mau planejamento, segregação sócio-espacial

Meio Ambiente

Novas infraestruturas, conservação de algumas áreas, estratégias de gestão sustentável

Degradação ambiental, poluição, alteração de hábitos alimentares, produção excessiva e sazonal

Quadro 1 Impactos do Turismo

Fonte: MILANI e DROULERS (2002)

Nessas últimas décadas, a participação da comunidade _até na elaboração das políticas _ vem se constituindo no novo paradigma para o desenvolvimento do turismo. Para CAPECE (apud BARRETTO, 2005) o marco ideológico de referência para a gestão turística é expresso mediante uma política, a qual, para haver um turismo harmônico, sustentável e sustentado, deve ser produto da participação ativa da maioria dos atores envolvidos no cenário do seu desenvolvimento.

De acordo com MARCON e BARRETTO (2004):

O turismo contribuirá para a inclusão social quando todas as pessoas possuírem condições dignas de vida no seu cotidiano, em seus locais de origem. Para isso é extremamente importante a parceria entre os empresários do setor e o poder público, que deve estar preocupado com a melhoria da qualidade de vida e com o bem-estar social de sua comunidade.

Esse planejamento que ouve a comunidade não deve ser confundido com as campanhas de conscientização que constam de algumas diretrizes de planejamento oficial de turismo. Essas propostas de conscientizações são questionáveis na medida em que os moradores locais não ligados diretamente à atividade turística são utilizados como parte da paisagem, sendo levados, por meio de técnicas de convencimento, a tratar os turistas com simpatia e condescendência, mediante a alegação de que o turismo é uma atividade que traz dinheiro para o local, dinheiro este que a população em geral não vê porque fica nas mãos dos empresários que trabalham diretamente na atividade turística. (BARRETTO, op. cit.).

É importante que os planejadores de novos pólos e centros turísticos comecem a levar em conta estas populações e elaborar juntamente com elas o plano de desenvolvimento local (MENDONÇA, op. cit.). A relação turismo e desenvolvimento local sugerem a articulação entre uma atividade peculiar e seu potencial em desencadear um processo sustentado de mudanças positivas na economia de um determinado lugar tendo implicações importante no que diz respeito aos fundamentos do próprio processo de desenvolvimento, envolvendo distintas dimensões desde a ambiental, passando pela econômica e humana, para chegar a institucional. (EGLER e RIO, op. cit.). É responsabilidade de o planejador optar por concentrar os benefícios econômicos do desenvolvimento turístico em poucas mãos ou difundi-lo para todos os setores da sociedade local, elevando o nível econômico da população como um todo e consequentemente elevar sua qualidade de vida diminuindo as diferenças sociais, os conflitos e a violência (MENDONÇA, op. cit.)

A possibilidade de o turismo contribuir para o desenvolvimento local e regional bem como de poder ser considerado uma atividade geradora e multiplicadora de renda possuem implicações tanto no que diz respeito à organização espacial, como em relação às potencialidades de desenvolvimento local que vão além da retórica da Política Nacional de Turismo e dos planos de desenvolvimento turísticos implementados nos estados. (EGLER e RIO op. cit).

Para os referido autores:

O local é compreendido como relação espaço-tempo específica em uma área geográfica cuja delimitação não corresponde, por exemplo, aos limites administrativos dos entes federados. Cabe, no entanto, ressaltar que os agentes públicos que atuam nessa escala, compreendam, em grande parte, as prefeituras. Este elemento pode sugerir a correspondência direta entre local e municipalidade.Esta relação não é contudo direta. As tensões entre local e municipalidade permitem a emergência de dispositivos institucionais que criam e recriam as condições de governança que transcede a divisão político-administrativa. (iden)

Um dos pressupostos do desenvolvimento local_ a articulação dos atores envolvidos_ impõe a criação de instituições e mecanismos de participação da sociedade no processo decisório. No Brasil a Constituição Federal de 1988 representou o primeiro passo em direção ao processo de descentralização, ao dotar o município de uma maior autonomia. O fim da centralidade do poder se dá em paralelo ao fortalecimento da organização social, tornando mais fácil a participação das comunidades na tomada de decisão. Esta afirmativa precisa ser encarada com certa cautela, porém, de acordo com autores que discutem o assunto existem forças propulsoras aos projetos de gestão participativa, A existência de uma negociação com o poder público pode permitir que a comunidade local aja de acordo com suas prioridades, o que resulta na melhoria das condições de vida da população. (idem) Seria importante garantir que a população tenha acesso as decisões tão significativa, no sentido em que suas necessidades sejam sempre levadas em consideração (FIGUEIREDO, 1998). A política moderna aceita que o estado não é o ator dominante no processo político e reconhece a variedade de atores não governamentais que participam do cenário público e dos processos de tomada de decisões (ZUBINGGER apud ANTERO, 2006).

Para CORIOLANO (2003):

O desenvolvimento, para ser definido como social, precisa estar voltado às necessidades humanas, tornar as pessoas auto-independentes e habilitadas para o trabalho e para a vida comunitária. Implica o desenvolvimento dos indivíduos como pessoas e como grupo, organizados como sociedade civil para se tornarem protagonistas de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de seu lugar.

Segundo CORIOLANO “a lógica da globalidade e da modernidade aproxima os lugares, os povos, pois possui vocação universalista e cosmopolita; toma os lugares interdependentes no desenvolvimento das atividades industriais e comerciais e, agora, nas atividades de lazer”. A dualidae global-local vem sendo o centro de debate das ciências sociais e permeia a atividade turística. A fragmentação torna-se às vezes, mais social que espacial e essa segregação social encontra-se também no turismo.

Numa economia globalizada, os lugares ou as comunidades têm dois caminhos: reagem, fugindo a esta globalização, ficando à margem, sem muitas oportunidades de crescimento, ou procuram integrar-se através da participação da produção e da prestação de serviços, correndo inclusive, os riscos (...). Afirma MARTÍN (apud CORIOLANO, 1998) que entender o território como espaço inteligente “é pensar coletivamente, o que implica a capacidade para analisar a realidade e identificar os problemas, encontrar soluções expulsando os elementos negativos como: o pessimismo, o fatalismo, a dependência”.

A perspectiva do turismo como meio de inclusão social encontra abrigo nos oito objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em conjunto com 181 países, entre os quais o Brasil, em especial o seu objetivo 1 – erradicar a extrema pobreza e miséria. É com base nele que a Organização Mundial do Turismo (OMT), como entidade do sistema ONU, tem buscado identificar as diretrizes para verificar as possibilidades do turismo como vetor para reduzir a pobreza, elaborando estratégias apropriadas em colaboração com todos os grupos interessados e as comunidades locais. Além disso, a abrangência das áreas beneficiadas, o volume de recursos mobilizados e a potencialidade do turismo, se bem planejado, como vetor de importante de inclusão social e de alívio da pobreza, foram fatores decisivos para a busca do aperfeiçoamento da estrutura conceitual de programas atendendo a novos parâmetros e paradigmas cada vez mais atualizados, aí compreendida uma sólida base conceitual que considera a sustentabilidade do desenvolvimento turístico. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2005)

Segundo FRANCO (1993), a ação local é uma possibilidade e uma condição para materializar um outro estado do mundo no âmbito espaço temporal onde realmente isto pode ser feito: aqui-e-agora, quer dizer, no presente de uma determinada localidade habitada por uma população de seres humanos concretos que apresentam carências sociais básicas que geram sofrimentos (passam fome, têm doenças endêmicas, são analfabetos, não têm casa, terra ou emprego). De acordo como referido autor a satisfação adequada desses carecimentos não pode ser obtida por uma ação global, desenvolvida no espaço genético do mundo, do país ou das grandes cidades e regiões. Nem pode ser alcançada num futuro tão distante que seja incapaz de aliviar o sofrimento e, mesmo, evitar a morte daqueles carentes dos recursos mínimos de sobrevivência e de cidadania.

O planejamento enquanto função do Estado possui a tendência clássica de impor-se à população e intervindo na realidade local o planejamento representa impactos em todos os setores incluindo o social. Para FIGUEIREDO (op. cit) “seria importante garantir que as populações tenham acesso a decisões tão significativas, no sentido em que suas necessidades sejam sempre levadas em consideração”.

À medida que a sociedade civil – sugere e executa - diretamente as ações que lhe atingem ou dizem respeito, criam-se novos espaços ético-políticos nas localidades. De acordo com COOKE e KATHARI, BWER, apud VASCONCELOS e VASCONCELOS (2008):

Embora já existam oportunidades para os socialmente excluídos terem acesso e controle sobre recursos para o desenvolvimento, evidências empíricas têm mostrado que o argumento da transformação social através da participação social em programas de desenvolvimento não tem efetivamente promovido transformação social em favor dos socialmente excluídos

Tal participação tem reforçado o domínio de idéias e ideologias das pessoas ou organizações que possuem o poder e impõe o controle externo sobre os desempoderados dando a oportunidade de cooptação e perpetuação de certo desequilíbrio de poder (idem).

Aparentemente os residentes são reconhecidos como parte do processo de desenvolvimento e planejamento. Não obstante, a pesquisa sugere que o movimento em favor do planejamento de turismo com base no empowerment da comunidade é muito limitado e que (...) o envolvimento da comunidade está sendo controlado de cima e usado para informar e persuadir e não para promover a interação.

A Análise sugere que a visão da comunidade ou dos residentes será tomada em conta somente quando a política e a ideologia nacionais estejam orientadas nesse sentido. (BAHAIRE e ELLIOTT-WHITE, apud BARRETTO, 2005). Para BARRETTO (op. cit.) a questão da participação precisa ser mais bem definida e estruturada do ponto de vista metodológico, uma vez que, muitas vezes, chama-se de “participação” à simples comunicação, durante uma reunião, de que determinado plano será implementado. Isso acontece em várias partes do mundo. Segundo a autora a participação da população no processo de decisão, bem como a consulta da comunidade, ocorre com mais freqüência por meio de pesquisas de opinião realizadas pela mídia do que por meio de análises sociais independentes ou mesmo de processos formais e contínuos de participação da comunidade.

Participação local significa “dar as pessoas maiores oportunidades de participação efetiva nas atividades de desenvolvimento. Isso significa proporcionar condições para que elas mobilizem seu próprio potencial, sejam agentes sociais em vez de sujeitos passivos, gerenciem os recursos, tomem decisões e controlem as atividades que afetem suas vidas (CERNEA, apud BRANDON, 1995)

Turismo com base comunitária busca através da participação da comunidade local oferecer condições para fomentar atividades econômicas que promovam um desenvolvimento turístico: a comunidade receptora do destino turístico sustentável, eqüitativo, responsável pela preservação sócio-cultural comunitária e dos recursos naturais. Segundo a WWF Internacional (2001) “o turismo de base comunitária é aquele onde as sociedades locais possuem o controle efetivo sobre seu desenvolvimento e gestão”. Os projetos de turismo devem sugerir o envolvimento participativo desde o início de modo a proporcionar a maior parte de seus benefícios para as comunidades locais.

A abordagem participativa envolve as pessoas no processo de seu próprio desenvolvimento. Considerar a participação local ou comunitária como um processo significa gerar benefícios sociais e econômicos, mas não se limita apenas a isso. O processo participativo auxilia as pessoas a adquirirem um controle mais efetivo sobre suas próprias vidas. [...] Em uma abordagem genuinamente participativa, a comunidade local é consultada e tem voz ativa na tomada de decisões. (BRANDON, op.cit)




[1] Qualidade de vida entende-se o grau de satisfação com a vida nos múltiplos aspectos: moradia, transporte, alimentação, lazer, satisfação/realização profissional, vida sexual e amorosa, relacionamento com outras pessoas, liberdade, autonomia e segurança financeira, sendo para tal muito importante o desenvolvimento do local onde se vive (NAHAS apud BARRETTO, 2005).


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

As maiores contradições do marketing multinível

26 10 2008

Nesse artigo compilamos uma lista das maiores contradições nas promessas de marketing multinível. O marketing multinível é um dos ramos com as promessas mais exageradas para com seus novos recrutas, no entanto, uma vez que um recruta fracasse no negócio, os lideres terão na ponta da lingua uma explicação para esse fracasso, mesmo que essa explicação seja contraditória com certas promessas feitas pelos promotores quando estão recrutando pessoas.

Na primeira coluna da tabela abaixo listamos promessas feitas pelos promotores de MMN quando estão recrutando, na segunda coluna temos uma explicação caso o recruta fracasse, no entanto essa explicação contradiz a promessa da primeira coluna.

Por exemplo, é comum as empresas de MMN alegarem que o MMN é um negócio de investimento baixo com retorno rápido, no entanto, caso algum recruta desista do negócio, o mesmo irá ouvir dos lideres que fracassou porque permaneceu pouco tempo no negócio, tempo insuficiente para recuperar o investimento. Ora, mas eles não prometeram que o negócio tinha retorno rápido? Eis mais exemplos abaixo, as palavras em negrito ressaltam a contradição envolvida em cada promessa:

O que eles alegam para recrutar uma pessoa? O que eles alegam caso essa pessoa fracasse no negócio MMN?
MMN é um negócio de investimento baixo e retorno rápido No mercado tradicional o negócio pode levar anos até trazer lucros
Qualquer um pode fazer MMN. Aqui não importa tua cor, raça ou religião. O MMN é para todos, mas nem todos são para o MMN
Trabalhe nas suas horas vagas Você trabalhou pouco. Já viu alguém obter sucesso trabalhando apenas duas horas por dia?
Negócio simples Você não frequentou as reuniões e por isso não aprendeu tudo sobre o negócio, por isso fracassou.
Produto de grande aceitação. Você já viu produto de qualidade ser vendido a preço baixo? Nosso produto é o melhor, por isso temos esse preço alto.
Não é preciso vender! Tuas vendas foram fracas, por isso você fracassou.
Não é pirâmide! Você não recrutou o suficiente.
Desfrute mais tempo com a familia! Você deveria ter frequentado mais eventos em finais de semana, por isso fracassou.
Renda extra! Se você não investir não tem como ganhar.
Eu tenho certeza que você é um vencedor! A culpa é toda sua, você é um perdedor fracassado. A culpa não é do MMN, o sistema é perfeito!
Se você investir em grandes estoques terá grandes lucros! Ninguém mandou você se endividar para comprar produtos!
Você está preparado, chegou a sua vez, agora é a hora de você acontecer no MMN. É, você ainda não estava preparado para o MMN, por isso fracassou.

domingo, 26 de outubro de 2008

Estou copiando aqui todos os textos interessantes que tenho lido ultimamente.
Estou lendo os textos de Augusto Franco.
Nas novas iniciativas de promoção do desenvolvimento local em que estou envolvido, tenho procurado incorporar algumas lições importantes que aprendi nestes últimos cinco anos e que começo a compartilhar agora com os interessados.

PRIMEIRA LIÇÃO | Em primeiro lugar, não se pode promover o desenvolvimento sem fazer política. Existem muitas evidências de que os problemas ocorridos em programas de indução ao desenvolvimento local são, em sua maior parte, de natureza política. Os casos são variados: às vezes é o prefeito que não acredita ou tem medo, ou o governador que não quer, ou um outro chefe político que não vê com bons olhos o surgimento de novas lideranças que tendem a crescer em visibilidade e credibilidade. Às vezes são as instituições locais que não se entendem e disputam o tempo todo entre si em um clima adversarial, ninguém querendo colocar azeitona na empada do outro. E às vezes são vaidades pessoais que atrapalham tudo, quando as lideranças da localidade se comportam como se estivessem em um concurso de beleza. Para contornar tais problemas precisamos fazer política, exercitar nossa capacidade de articulação política. Essa capacidade não é inata, não é assegurada por um gene, mas tem que ser adquirida (e pode ser aprendida).

SEGUNDA LIÇÃO | Em segundo lugar, não se pode colocar nas mãos de uma instituição (seja ela qual for, governamental ou não) a responsabilidade por promover processos de desenvolvimento local. Se fizermos isso, com toda a certeza, mais cedo ou mais tarde, teremos problemas. Pois nada garante que uma instituição manterá a mesma linha de atuação e a mesma disposição de investir recursos humanos, materiais ou financeiros. Pode acontecer, por exemplo, de mudarem os dirigentes dessa instituição (como é normal e desejável). Aprendemos, às custas de algum sofrimento, que o desenvolvimento local deve ser local mesmo. Ou seja, não pode ser patrocinado ou apadrinhado por ninguém de fora. A rigor, nem de dentro. Se isso ocorrer, as pessoas não assumirão suas responsabilidades, nem se virarão para captar novos recursos, pois ficarão esperando alguma coisa que virá de fora ou de cima. Ora, se for assim, não tem desenvolvimento local, que é – por definição – capacidade de identificar ativos internos, dinamizar potencialidades endógenas e aproveitar oportunidades a partir de uma inteligência coletiva formada localmente. O que fazer então para resolver esse problema? Não há outro caminho senão constituir parcerias entre instituições e pessoas da própria localidade, mobilizando amplo voluntariado local. Se isso não for possível, também não será possível promover o desenvolvimento local. E, assim, não devemos perder tempo tentando fazer o impossível: é melhor ir logo cuidar de outra coisa.

TERCEIRA LIÇÃO | Em terceiro lugar, não se pode deixar o trabalho de indução do desenvolvimento local nas mãos de um conjunto de instituições (mesmo que sejam instituições locais). Ou seja, o sujeito impulsionador do desenvolvimento local não pode ser um conjunto de instituições (mesmo que queiramos, indevidamente, chamar tal conjunto de “rede” – pois que, em geral, não é rede coisa nenhuma e sim uma frente de instituições hierárquicas, cada qual com seu interesse particular no processo, interesse que, muitas vezes, não casa perfeitamente com os objetivos mais gerais do processo). Assim, aprendemos também a não apostar tudo apenas em Fóruns ou Agências de Desenvolvimento constituídos por representantes de instituições, a não ser que essas instâncias estejam suficientemente capilarizadas, ligadas no dia-a-dia das pessoas da localidade. Se fizermos isso acabaremos constituindo um grupinho mais ou menos isolado da população e, passado algum tempo, começaremos a reclamar que faltam recursos para contratar pessoas ou que ninguém vem na reunião, que está todo mundo muito ocupado com seus próprios assuntos, que ninguém quer colaborar com o coletivo. Para resolver esse problema descobrimos a solução da rede de desenvolvimento local (ou rede do desenvolvimento comunitário). Se estamos querendo induzir o desenvolvimento em uma localidade a partir dos recursos da própria localidade (outra boa definição de desenvolvimento local), então temos que ter, no mínimo, 1% das pessoas dessa localidade envolvida no processo. Só assim teremos a capilaridade suficiente para mobilizar contingentes maiores de voluntários. Só assim não ficaremos isolados da população, sem condições de disseminar mensagens molecularmente pela rede e sem condições de alavancar recursos novos que farão toda diferença.

Resumindo as três primeiras lições aprendidas: 1º) A indução do desenvolvimento local é um processo político, que exige muita articulação política para se concretizar; 2º) O desenvolvimento local não pode ter pai, padrinho ou patrocinador externo ou interno; 3º) O sujeito do desenvolvimento local é a rede social que existe na localidade e nosso papel (como agentes de desenvolvimento) não é fazer as coisas pela população e sim aumentar a conectividade e o grau de distribuição dessa rede, incorporando as pessoas – não como massa, mas uma-a-uma – no exercício compartilhado de visão de futuro, na elaboração do plano de desenvolvimento, na formulação da agenda de prioridades e na realização dessas prioridades.

Tudo indica que, se conseguirmos fazer isso, teremos mais chances de obter uma combinação virtuosa de esforços de todos os setores – governamentais, empresariais e sociais – e de uma boa parcela das pessoas (enquanto indivíduos mesmo, voluntários) na tarefa de promover o desenvolvimento da localidade em que atuamos. Se não conseguirmos, infelizmente, nossas chances serão bastante reduzidas.

No entanto, alguns leitores destas cartas me perguntam como proceder em relação às redes sociais. Como articulá-las e animá-las? Andamos quebrando a cabeça com esse problema e, a partir do infalível (e insubstituível em uma democracia) processo de tentativa-e-erro, também aprendemos alguma coisa (que tento resumir abaixo, na forma de uma quarta lição):

QUARTA LIÇÃO | Quem quer articular e animar redes sociais deve resistir às quatro tentações seguintes: de fazer redes de instituições (em vez de redes de pessoas), de ficar fazendo reunião para discutir e decidir o que os outros devem fazer (em vez de, simplesmente, fazer), de tratar os outros como “massa” a ser mobilizada (em vez de amigos pessoais a serem conquistados) e, por último, de querer monopolizar a liderança (em vez de estimular o fenômeno da emergência da multiliderança).

Resistir à tentação de fazer redes de instituições (entidades, organizações). Muitas vezes é necessário, para começar um projeto ou mesmo para dar respaldo à sua implantação, reunir instituições em torno de um propósito. Pode-se até chamar esse conjunto de instituições de rede. No entanto, redes propriamente ditas, ou seja, redes distribuídas, não podem ser compostas por instituições hierárquicas (centralizadas ou descentralizadas, quer dizer, multicentralizadas). Redes distribuídas devem ser de pessoas (P2P). Portanto, é necessário conectar as pessoas diretamente à rede, mesmo que essas pessoas ainda imaginem estar ali representando suas instituições. Ocorre que um membro conectado à rede não pode ser substituído por outro membro da mesma instituição (nenhuma pessoa é substituível em uma rede). Além disso, as redes devem ser compostas pelas pessoas que queiram delas participar, independentemente de estarem ou não “representando” instituições (redes não são coletivos de representação, mas de participação direta – sem mediações de instituições hierárquicas).

Resistir à tentação de fazer reuniões de discussão ou de deliberação com os membros da rede. Rede é uma forma de organização não-baseada no ajuntamento, no arrebanhamento, no confinamento de pobres coitados numa salinha fechada, onde, em geral, se discute o que outros (que não estão ali) devem fazer. Sim, pois se for para fazer alguma coisa, então não se trata de reunião de discussão e sim de atividade coletiva. Outra coisa nociva é a tal da reunião para decidir, sobretudo pelo voto. Isso é um desastre. Se houver necessidade de votar para decidir é sinal de que o assunto não está maduro. Se estivesse, a solução se imporia naturalmente.

Ter sempre presente que fazer rede é fazer amigos. Tão simples assim. Então as pessoas devem estabelecer comunicações pessoais entre si, uma-a-uma. Cada membro da rede é um participante único, insubstituível, totalmente personalizado, que deve ser tratado sempre pelo nome, valorizado pelo que tem de peculiar, incluído pelo reconhecimento de suas potencialidades distintivas. Nada, portanto, de circulares impessoais, panfletos, chamamentos coletivos. Nada de mobilização de massa. Quem gosta de massa são os candidatos a condutores de rebanhos, que estabelecem uma relação vertical, autoritária e paternalista com o povo.

Levar em conta que rede é um campo para a emergência do fenômeno da multiliderança. Cada um pode ser líder em algum assunto de que goste, domine e a partir do qual seja capaz de propor iniciativas que são acolhidas voluntariamente por outros. Redes não podem ter líderes únicos, líderes de todos assuntos, dirigentes autocráticos que tentam monopolizar a liderança e impedir que os outros a exerçam.

Até a ‘Carta Rede Social 152’ e um abraço do

Augusto de Franco
augustodefranco@gmail.com

22 de novembro de 2007.