quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Atualmente as mudanças em nível social das estruturas locais de poder, vêm sendo vivenciadas, associadas à reforma do estado, onde pouco a pouco aumentam a participação de atores sociais na construção de espaços de cidadania, através de programas de participação em governos locais e novas modalidades de intervenção de atores da sociedade civil na gestão pública.

Para CORIOLANO (2003)
O desenvolvimento, para ser definido como social, precisa estar voltado às necessidades humanas, tornar as pessoas auto-independentes e habilitadas para o trabalho e para a vida comunitária. Implica o desenvolvimento dos indivíduos como pessoas e como grupo, organizados como sociedade civil para se tornarem protagonistas de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de seu lugar.


Os problemas ambientais e a análise da destruição ou da proteção dos recursos naturais fizeram com que se percebesse a existência de comunidades que são capazes de utilizar e conservar estes recursos ao mesmo tempo. Segundo GUIMARÃES [s.d] “já há um reconhecimento generalizado no mundo sobre a seriedade dos problemas ambientais que nos afetam na atualidade. Certamente esse reconhecimento pode ser considerado um avanço se comparado ao de trinta ou quarenta anos atrás, quando estes eram desconsiderados pela opinião pública.”
Para o autor a “interveção antrópica que degrada o meio ambiente não é uma condição inata dos seres humanos, mas o resultado das relações sociais constituídas e constituintes de um meio de produção, promotor de um modelo de desenvolvimento, que imprime uma forma de relação entre sociedade e natureza”.
As chamadas populações tradicionais são entendidas como as comunidades que vivem a várias gerações em um determinado ecossistema em estreita dependência do meio natural para sua subsistência, e que utilizam os recursos naturais de forma sustentável.

O conceito de população tradicional é mais abrangente, atingindo comunidades que não vivem do extrativismo como, por exemplo, os artesãos e artistas que perpetuam a cultura. O tradicional encerra valores que podem perpetuar, mas não são sinônimos de populações atrasadas ou refratárias ao progresso ou a modernização, pois uma população tradicional tem principal característica sua relação com ao meio ambiente.
A Constituição Federal diz que os Povos e Comunidades de Culturas Tradicionais são grupos que possuem culturas diferentes da cultura predominante na sociedade e se reconhecem como tal. Estes grupos devem se organizar de forma distinta, ocupar e usar territórios e recursos naturais para manter sua cultura, tanto no que diz respeito à organização social, quanto à religião à economia e à ancestralidade. A utilização dos recursos naturais deve ser feita através de conhecimentos, inovações e práticas que foram criados dentro deles próprios e transmitido oralmente e na prática cotidiana pela tradição.


BIBLIOGRAFIA
CORIOLANO, L. N., LIMA, Luiz Cruz (Orgs). Turismo Comunitário e Responsabilidade Socioambiental. Fortaleza: EDUECE, 2003.
GUIMARÃES, M. Armadilha Paradigmática na educação ambiental. In: Loureiro, C.F. Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez Editora, [s.d].
PINTO, W. Ciência e tradição se unem em Jararaca: Pesquisa e extensão atuam juntas em projeto, em comunidade em Bragança. Jornal Beira do Rio nº 60, abril de 2008. disponível emhttp://www.ufpa.br/beiradorio/arquivo/beira60/noticias/rep7.html

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Van Gogh e o Sol de Arles


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Nos meses finais de 1888, dois gênios da pintura, ainda que desconhecidos em seu tempo, encontraram-se em Arles, no sul da França. Vicent Van Gogh e Paul Gauguin eram diferentes em tudo, do temperamento ao físico, só afinavam na idéia de que era preciso ir atrás do sol para que o grande astro lhes ensinasse os caminhos da pintura moderna.

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Ainda que a estadia deles juntos naquela pequena cidade não tenha chegado a ultrapassar dois meses, permeada por desavenças de toda ordem, ela foi mutuamente enriquecedora. Gogh aspirou um ar estético de Gauguin e este, ao mudar-se depois para o Taiti, levou a cabo a idéia de Gogh de encontrar algum lugar onde o sol imperasse sempre.

O Salão de 1874


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Auto-retrato de Gauguin, 1888

Por terem sido rejeitados numa grande exposição de pintura que anualmente era realizada em Paris, um grupo um tanto irreverente de artistas decidiu-se por realizar uma mostra paralela, produzindo com ela um grande escândalo: o salão dos impressionistas, como o evento foi posteriormente batizado. Ele deu-se no salão do fotógrafo Félix Nadar, que abriu suas portas no dia 15 de abril de 1874, expondo as telas de Auguste Renoir, Edgar Degas, Alfred Sisley, Berthe Morisot, Claude Monet, e outros tantos que não conseguiram se perpetuar. De certo modo era a reedição do Salon des Refusés, que ocorrera em 1863 em razão do escândalo provocado pela tela Déjeuner sur l'herbe de Manet (1832-1883), classificada pela imperatriz Maria Eugênia como "impudica", sem que entretanto provocasse a celeuma e a verdadeira revolução que a exposição de 1874 causou. O salão de 1874 também foi filho de um movimento anterior que buscava inspiração no ar livre, liderado por Eugène Delacroix, Eugène Fromentin e Théodore Chassériau, todos eles mobilizados pela palavra de ordem "il faut sortir de l'atelier!", era preciso sair-se do atelier. A crítica os tachou de preguiçosos fabricantes de borrões para baixo e, como em tantos outras oportunidades, a palavra "impressionistas", como pejorativamente foram apelidados, tornou-se o lema da bandeira estética deles. Seja como for, a exposição de 1874 marcou o declínio da arte acadêmica e deu impulso a uma extraordinária desordem estética criativa da qual o pintor holandês Vicent van Gogh vai ser um dos maiores exponenciais.

Gauguin, Van Gogh e a Estúdio do Sul


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A casa amarela em Arles

Van Gogh, pastor frustado e pintor ocasional, um eterno problema para a família, decidiu-se um tanto tardiamente assumir-se como artista. Tinha 32 anos quando resolveu liberar o seu talento e abraçar a sua verdadeira vocação. Dando-se bem com Gauguin, um incorrigível e temperamental construtor de catedrais no ar, o que em si já era um feito, a quem conhecera em Paris no meio artístico, insistiu calorosamente para que o novo amigo o acompanhasse numa larga estadia no sul da França. Como seu conterrâneo Rembrandt, Vicent era um adorador do amarelo em todas as suas

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Uma paisagem de Arles, de Gauguin

tonalidades imagináveis, um apaixonado por cores vivas as quais ele só poderia cultuar longe do norte da França, cinzento e úmido. Daí veio-lhe à mente a possibilidade de formar uma comunidade de pintores num lugar qualquer mais ao sul, para que todos os artistas que lá aparecessem pudessem intercambiar as experiências à luz do sol, ao ar livre, libertos das limitações da vida no atelier. Gauguin, que também decidira pela pintura tarde, aos 37 anos, recém tinha desembarcado da ilha da Martinica, onde estivera em 1887 levando um vida miserável, não resistiu muito ao apelo de Vincent. Além disso, segundo o holandês lhe informou, em Arles, a vida saía bem mais em conta. Em outubro

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Van Gogh pintando

de 1888, um Gauguin carregado com seu material de pintor e com seus trastes desembarcou na estação local. Vicent, radiante, pensando pôr um fim na solidão em que se encontrava, decorara o quarto do recém-chegado com um conjunto de telas de girassóis, a flor da região. Com a presença dele, inaugurava-se o que Van Gogh pretendia que fosse o embrião do Estúdio do Sul, uma irmandade utópica de artistas.

O Mito da Caverna

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Platão (428-347)
O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII do Republica é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é o livro de José Saramago A Caverna.

A Condição Humana

Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros, carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar o bruxuleio das sombras daqueles objetos, surgindo e se desafazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. A sua existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia).

Libertando-se dos grilhões

Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois,

reprodução (estátua de Rodin)

Livre é quem pensa
aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda estupefato, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se escancarava perante ele, podendo então vislumbrar e embevecer-se com o mundo das formas perfeitas.

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/caverna.htm

O Ethos que Cuida


Quando amamos, cuidamos; e quando cuidamos, amamos. Por isso, o ethos que ama se completa com o ethos que cuida. O “cuidado” constitui a categoria central do novo paradigma de civilização que forceja por emergir em todas as partes do mundo. A falta de cuidado no trato da natureza e dos recursos escassos, a ausência de cuidado com referência ao poder de tecnociência, que construiu armas de destruição em massa e de devastação da biosfera e da própria sobrevivência da espécie humana, nos está levando a um impasse sem precedentes. Ou cuidamos ou perecemos. O cuidado assume uma dupla função: de prevenção de danos futuros e de regeneração de danos passados. O cuidado possuiesse condão: reforçar a vida, zelar pelas condições físico-químicas, ecológicas, sociais e espirituais que permitem a reprodução da vida e de sua ulterior evolução. O correspondente ao cuidado em termos políticos é a “sustentabilidade”, que visa a encontrar o justo equilíbrio entre o benefício racional das virtualidades da Terra e sua preservação para nós e as gerações futuras. Talvez aduzindo a fábula do cuidado, conservada por Higino (17 d.C.), bibliotecário de César Augusto, entendamos melhor o significado do ethos que cuida. “Certo dia, Cuidado tomou um pedaço de barro e moldou-o na forma do ser humano. Nisso apareceu Júpiter e, a pedido de Cuidado, insuflou-lhe espírito. Cuidado quis dar-lhe um nome, mas Júpiter lho proibiu, querendo ele impor o nome. Começou uma discussão entre ambos. Nisso apareceu a Terra, alegando que o barro é parte de seu corpo e que, por isso, tinha o direito de escolher um nome. Gerou-se uma discussão generalizada e sem solução. Então todos aceitaram chamar Saturno, o velho deus ancestral, para ser árbitro. Este tomou a seguinte sentença, considerada justa: Você, Júpiter, deu-lhe o espírito: receberá o espírito de volta quando essa criatura morrer. Você, Terra, que lhe forneceu o corpo, receberá o corpo de volta, quando essa criatura morrer. E você, Cuidado, que foi o primeiro a moldar a criatura, acompanhá-la-á por todo o tempo em que viver. E como vocês não chegaram a nenhum consenso sobre o nome, decido eu: chamar-se-á homem, que vem de húmus, que significa terra fértil”.
Essa fábula está cheia de lições. O cuidado é anterior ao espírito infundido por Júpiter e anterior ao corpo emprestado pela Terra. A concepção corpo-espírito não é, portanto, originária. Originário é o cuidado, “que foi o primeiro a moldar o ser humano”. O Cuidado o fez com “cuidado”, zelo e devoção, portanto, com uma atitude amorosa. Ele é anterior, o a priori ontológico que permite ao ser humano surgir. Essas dimensões entram na constituição do ser humano. Sem elas não se é humano. Por isso se diz que o “cuidado” acompanhará o ser humano “por todo o tempo em que viver”. Tudo o que fizer com cuidado será bem feito. O ethos que cuida e ama é terapêutico e libertador. Sana chagas, desanuvia o futuro e cria esperança. Com razão diz o psicanalista Rollo May: “Na atual confusão de episódios racionalistas e técnicos, perdemos de vista o ser humano. Devemos voltar humildemente ao simples cuidado. É o mito do cuidado, e somente ele, que nos permite resistir ao cinismo e à apatia, doenças psicológicas de nosso tempo”.
Leonardo Boff