GESTÃO DO TURISMO COM BASE LOCAL: ALTERNATIVA ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS NA REGIÃO INSULAR DE BELÉM
3 - PLANEJAMENTO TURÍSTICO E INCLUSÃO SOCIAL
Atualmente as mudanças em nível social das estruturas locais de poder, vêm sendo vivenciadas, associadas à reforma do estado, onde pouco a pouco aumentam a participação de atores sociais na construção de espaços de cidadania, através de programas de participação em governos locais e novas modalidades de intervenção de atores da sociedade civil na gestão pública.
Na maioria das vezes, o planejamento esta orientado pelo princípio da escassez proveniente da teoria econômica: trata-se de administrar e aplicar racionalmente recursos escassos sejam eles monetários, territoriais ou humanos. Estes últimos que foram escassos nos campos de batalha onde começou a idéia de planejamento, hoje se apresentam, não raro, como excedentes, e o planejamento consiste em administrar racionalmente recursos monetários (incluídas aqui despesas de todo tipo para sobrevivência) e territoriais (incluindo nessa categoria os habitacionais) para populações não escassas (BARRETTO, op cit).
A tarefa de planejamento será eficiente, na medida em que integrar na sua implementação, a soma dos setores envolvidos no processo: Estados, Municípios e Comunidade. Ao mesmo tempo, o planejamento turístico deve formar parte da estratégia global de planejamento estadual, integrando-se com outros setores que planificam o seu desenvolvimento sócio-econômico procurando aproveitar racionalmente o potencial natural e cultural, a preservação ambiental, objetivando a melhoria da qualidade de vida[1] da população e uma distribuição mais equilibrada dos benefícios. Outro aspecto a ressaltar, consiste na realização desse planejamento abrangendo as diferentes microrregiões de um Estado, razão pela qual será de grande importância a participação ativa das comunidades organizadas. Um terceiro fator de suma importância neste contexto, é que o turismo não planejado pode provocar a destruição do sistema natural e dos atributos sócio-culturais, que constituem um grande patrimônio para ele. Assim sendo, o planejamento turístico é um instrumento para conduzir o desenvolvimento deste setor, de maneira a minimizar os seus efeitos prejudiciais e maximizar os benefícios para a economia e a sociedade local (iden).
A satisfação do turista _ e, portanto a priorização de seus interesses _ também deve ser prioridade para a comunidade local assim como a sustentabilidade sócio-econômica da comunidade também interessa ao próprio turista, especialmente para que venha a ser bem atendido; mas também para garantir perenidade à atividade local ( FARIA; CARNEIRO, 2001).
Quadro 1 Impactos do Turismo | ||
Área | Impactos potenciais positivos | Impactos potenciais negativos |
Economia | Receita, empregos, nível de vida da população local, investimento | Inflação local, especulação imobiliária, concentração dos investimentos alternativos, custos em termos de infraestruturas necessárias |
Turismo e Comércio | Reconhecimento da região, novas infraestruturas, acessibilidade maior | Preços mais elevados e reputação junto ao comércio, desenvolvimento descontrolado do comércio local |
Sociedade e Cultura | Maior empenho dos residentes na promoção de eventos locais, reforço dos valores e tradições locais. | Comercialização sazonal de atividades privadas, alteração dos costumes em função do turismo, custos sociais (prostituição, abuso de drogas e álcool) |
Psicologia | Orgulho quanto aos costumes locais, reconhecimento da riqueza da troca com o outro | Atitudes defensivas face a outras culturas, hostilidades por dificuldade de comunicação |
Política e administração | Reconhecimento internacional, desenvolvimento local integrado | Mau planejamento, segregação sócio-espacial |
Meio Ambiente | Novas infraestruturas, conservação de algumas áreas, estratégias de gestão sustentável | Degradação ambiental, poluição, alteração de hábitos alimentares, produção excessiva e sazonal |
Quadro 1 Impactos do Turismo
Fonte: MILANI e DROULERS (2002)
Nessas últimas décadas, a participação da comunidade _até na elaboração das políticas _ vem se constituindo no novo paradigma para o desenvolvimento do turismo. Para CAPECE (apud BARRETTO, 2005) o marco ideológico de referência para a gestão turística é expresso mediante uma política, a qual, para haver um turismo harmônico, sustentável e sustentado, deve ser produto da participação ativa da maioria dos atores envolvidos no cenário do seu desenvolvimento.
De acordo com MARCON e BARRETTO (2004):
O turismo contribuirá para a inclusão social quando todas as pessoas possuírem condições dignas de vida no seu cotidiano, em seus locais de origem. Para isso é extremamente importante a parceria entre os empresários do setor e o poder público, que deve estar preocupado com a melhoria da qualidade de vida e com o bem-estar social de sua comunidade.
Esse planejamento que ouve a comunidade não deve ser confundido com as campanhas de conscientização que constam de algumas diretrizes de planejamento oficial de turismo. Essas propostas de conscientizações são questionáveis na medida em que os moradores locais não ligados diretamente à atividade turística são utilizados como parte da paisagem, sendo levados, por meio de técnicas de convencimento, a tratar os turistas com simpatia e condescendência, mediante a alegação de que o turismo é uma atividade que traz dinheiro para o local, dinheiro este que a população em geral não vê porque fica nas mãos dos empresários que trabalham diretamente na atividade turística. (BARRETTO, op. cit.).
É importante que os planejadores de novos pólos e centros turísticos comecem a levar em conta estas populações e elaborar juntamente com elas o plano de desenvolvimento local (MENDONÇA, op. cit.). A relação turismo e desenvolvimento local sugerem a articulação entre uma atividade peculiar e seu potencial em desencadear um processo sustentado de mudanças positivas na economia de um determinado lugar tendo implicações importante no que diz respeito aos fundamentos do próprio processo de desenvolvimento, envolvendo distintas dimensões desde a ambiental, passando pela econômica e humana, para chegar a institucional. (EGLER e RIO, op. cit.). É responsabilidade de o planejador optar por concentrar os benefícios econômicos do desenvolvimento turístico em poucas mãos ou difundi-lo para todos os setores da sociedade local, elevando o nível econômico da população como um todo e consequentemente elevar sua qualidade de vida diminuindo as diferenças sociais, os conflitos e a violência (MENDONÇA, op. cit.)
A possibilidade de o turismo contribuir para o desenvolvimento local e regional bem como de poder ser considerado uma atividade geradora e multiplicadora de renda possuem implicações tanto no que diz respeito à organização espacial, como em relação às potencialidades de desenvolvimento local que vão além da retórica da Política Nacional de Turismo e dos planos de desenvolvimento turísticos implementados nos estados. (EGLER e RIO op. cit).
Para os referido autores:
O local é compreendido como relação espaço-tempo específica em uma área geográfica cuja delimitação não corresponde, por exemplo, aos limites administrativos dos entes federados. Cabe, no entanto, ressaltar que os agentes públicos que atuam nessa escala, compreendam, em grande parte, as prefeituras. Este elemento pode sugerir a correspondência direta entre local e municipalidade.Esta relação não é contudo direta. As tensões entre local e municipalidade permitem a emergência de dispositivos institucionais que criam e recriam as condições de governança que transcede a divisão político-administrativa. (iden)
Um dos pressupostos do desenvolvimento local_ a articulação dos atores envolvidos_ impõe a criação de instituições e mecanismos de participação da sociedade no processo decisório. No Brasil a Constituição Federal de 1988 representou o primeiro passo em direção ao processo de descentralização, ao dotar o município de uma maior autonomia. O fim da centralidade do poder se dá em paralelo ao fortalecimento da organização social, tornando mais fácil a participação das comunidades na tomada de decisão. Esta afirmativa precisa ser encarada com certa cautela, porém, de acordo com autores que discutem o assunto existem forças propulsoras aos projetos de gestão participativa, A existência de uma negociação com o poder público pode permitir que a comunidade local aja de acordo com suas prioridades, o que resulta na melhoria das condições de vida da população. (idem) Seria importante garantir que a população tenha acesso as decisões tão significativa, no sentido em que suas necessidades sejam sempre levadas em consideração (FIGUEIREDO, 1998). A política moderna aceita que o estado não é o ator dominante no processo político e reconhece a variedade de atores não governamentais que participam do cenário público e dos processos de tomada de decisões (ZUBINGGER apud ANTERO, 2006).
Para CORIOLANO (2003):
O desenvolvimento, para ser definido como social, precisa estar voltado às necessidades humanas, tornar as pessoas auto-independentes e habilitadas para o trabalho e para a vida comunitária. Implica o desenvolvimento dos indivíduos como pessoas e como grupo, organizados como sociedade civil para se tornarem protagonistas de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de seu lugar.
Segundo CORIOLANO “a lógica da globalidade e da modernidade aproxima os lugares, os povos, pois possui vocação universalista e cosmopolita; toma os lugares interdependentes no desenvolvimento das atividades industriais e comerciais e, agora, nas atividades de lazer”. A dualidae global-local vem sendo o centro de debate das ciências sociais e permeia a atividade turística. A fragmentação torna-se às vezes, mais social que espacial e essa segregação social encontra-se também no turismo.
Numa economia globalizada, os lugares ou as comunidades têm dois caminhos: reagem, fugindo a esta globalização, ficando à margem, sem muitas oportunidades de crescimento, ou procuram integrar-se através da participação da produção e da prestação de serviços, correndo inclusive, os riscos (...). Afirma MARTÍN (apud CORIOLANO, 1998) que entender o território como espaço inteligente “é pensar coletivamente, o que implica a capacidade para analisar a realidade e identificar os problemas, encontrar soluções expulsando os elementos negativos como: o pessimismo, o fatalismo, a dependência”.
A perspectiva do turismo como meio de inclusão social encontra abrigo nos oito objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em conjunto com 181 países, entre os quais o Brasil, em especial o seu objetivo 1 – erradicar a extrema pobreza e miséria. É com base nele que a Organização Mundial do Turismo (OMT), como entidade do sistema ONU, tem buscado identificar as diretrizes para verificar as possibilidades do turismo como vetor para reduzir a pobreza, elaborando estratégias apropriadas em colaboração com todos os grupos interessados e as comunidades locais. Além disso, a abrangência das áreas beneficiadas, o volume de recursos mobilizados e a potencialidade do turismo, se bem planejado, como vetor de importante de inclusão social e de alívio da pobreza, foram fatores decisivos para a busca do aperfeiçoamento da estrutura conceitual de programas atendendo a novos parâmetros e paradigmas cada vez mais atualizados, aí compreendida uma sólida base conceitual que considera a sustentabilidade do desenvolvimento turístico. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2005)
Segundo FRANCO (1993), a ação local é uma possibilidade e uma condição para materializar um outro estado do mundo no âmbito espaço temporal onde realmente isto pode ser feito: aqui-e-agora, quer dizer, no presente de uma determinada localidade habitada por uma população de seres humanos concretos que apresentam carências sociais básicas que geram sofrimentos (passam fome, têm doenças endêmicas, são analfabetos, não têm casa, terra ou emprego). De acordo como referido autor a satisfação adequada desses carecimentos não pode ser obtida por uma ação global, desenvolvida no espaço genético do mundo, do país ou das grandes cidades e regiões. Nem pode ser alcançada num futuro tão distante que seja incapaz de aliviar o sofrimento e, mesmo, evitar a morte daqueles carentes dos recursos mínimos de sobrevivência e de cidadania.
O planejamento enquanto função do Estado possui a tendência clássica de impor-se à população e intervindo na realidade local o planejamento representa impactos em todos os setores incluindo o social. Para FIGUEIREDO (op. cit) “seria importante garantir que as populações tenham acesso a decisões tão significativas, no sentido em que suas necessidades sejam sempre levadas em consideração”.
À medida que a sociedade civil – sugere e executa - diretamente as ações que lhe atingem ou dizem respeito, criam-se novos espaços ético-políticos nas localidades. De acordo com COOKE e KATHARI, BWER, apud VASCONCELOS e VASCONCELOS (2008):
Embora já existam oportunidades para os socialmente excluídos terem acesso e controle sobre recursos para o desenvolvimento, evidências empíricas têm mostrado que o argumento da transformação social através da participação social em programas de desenvolvimento não tem efetivamente promovido transformação social em favor dos socialmente excluídos
Tal participação tem reforçado o domínio de idéias e ideologias das pessoas ou organizações que possuem o poder e impõe o controle externo sobre os desempoderados dando a oportunidade de cooptação e perpetuação de certo desequilíbrio de poder (idem).
Aparentemente os residentes são reconhecidos como parte do processo de desenvolvimento e planejamento. Não obstante, a pesquisa sugere que o movimento em favor do planejamento de turismo com base no empowerment da comunidade é muito limitado e que (...) o envolvimento da comunidade está sendo controlado de cima e usado para informar e persuadir e não para promover a interação.
A Análise sugere que a visão da comunidade ou dos residentes será tomada em conta somente quando a política e a ideologia nacionais estejam orientadas nesse sentido. (BAHAIRE e ELLIOTT-WHITE, apud BARRETTO, 2005). Para BARRETTO (op. cit.) a questão da participação precisa ser mais bem definida e estruturada do ponto de vista metodológico, uma vez que, muitas vezes, chama-se de “participação” à simples comunicação, durante uma reunião, de que determinado plano será implementado. Isso acontece em várias partes do mundo. Segundo a autora a participação da população no processo de decisão, bem como a consulta da comunidade, ocorre com mais freqüência por meio de pesquisas de opinião realizadas pela mídia do que por meio de análises sociais independentes ou mesmo de processos formais e contínuos de participação da comunidade.
Participação local significa “dar as pessoas maiores oportunidades de participação efetiva nas atividades de desenvolvimento. Isso significa proporcionar condições para que elas mobilizem seu próprio potencial, sejam agentes sociais em vez de sujeitos passivos, gerenciem os recursos, tomem decisões e controlem as atividades que afetem suas vidas (CERNEA, apud BRANDON, 1995)
Turismo com base comunitária busca através da participação da comunidade local oferecer condições para fomentar atividades econômicas que promovam um desenvolvimento turístico: a comunidade receptora do destino turístico sustentável, eqüitativo, responsável pela preservação sócio-cultural comunitária e dos recursos naturais. Segundo a WWF Internacional (2001) “o turismo de base comunitária é aquele onde as sociedades locais possuem o controle efetivo sobre seu desenvolvimento e gestão”. Os projetos de turismo devem sugerir o envolvimento participativo desde o início de modo a proporcionar a maior parte de seus benefícios para as comunidades locais.
A abordagem participativa envolve as pessoas no processo de seu próprio desenvolvimento. Considerar a participação local ou comunitária como um processo significa gerar benefícios sociais e econômicos, mas não se limita apenas a isso. O processo participativo auxilia as pessoas a adquirirem um controle mais efetivo sobre suas próprias vidas. [...] Em uma abordagem genuinamente participativa, a comunidade local é consultada e tem voz ativa na tomada de decisões. (BRANDON, op.cit)
[1] Qualidade de vida entende-se o grau de satisfação com a vida nos múltiplos aspectos: moradia, transporte, alimentação, lazer, satisfação/realização profissional, vida sexual e amorosa, relacionamento com outras pessoas, liberdade, autonomia e segurança financeira, sendo para tal muito importante o desenvolvimento do local onde se vive (NAHAS apud BARRETTO, 2005).